terça-feira, 15 de novembro de 2011

Dia 8 de novembro, o Dia Mundial do Urbanismo. Instituída em 1949, pelo Instituto Superior de Urbanismo de Buenos Aires, a data pretende promover a consciência, a sustentação e a integração entre a comunidade e o urbanismo. Falar sobre essa área do conhecimento é, também, falar sobre cidades. O mundo vive hoje, uma constante e intensa urbanização, e entre os anos de 2007 e 2008, pela primeira vez, a população mundial que vive em cidades ultrapassou o número de pessoas vivendo no meio rural, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Em alguns países, como o Brasil, a população urbana já ultrapassa a impressionante marca de 80%.

Para se ter uma ideia da rapidez do crescimento urbano no mundo, é necessário imaginar que em 1900, apenas um décimo da população mundial vivia em cidades. Mesmo assim, as cidades já existem há mais de cinco mil anos e, segundo alguns especialistas, é a maior, mais complexa e mais bem sucedida dentre as invenções humanas. A Revolução Industrial acelerou significativamente o crescimento – e o desequilíbrio – do meio urbano. No século XIX, as cidades ficaram saturadas e insalubres, e surgiu a necessidade de um profissional que tivesse conhecimentos para reestruturar esses centros, através da aplicação de técnicas e conhecimentos da arquitetura e da engenharia.

Hoje em dia, diversos problemas atingem desde os pequenos municípios até as megalópoles. Podem ser citados, desde a falta de planejamento, que atinge serviços básicos como água, esgoto e transportes urbanos, até problemas ambientais e culturais: a impermeabilização dos solos (um dos fatores que causam enchentes), a emissão de fases de efeito estufa, a poluição do ar, entre outros. Hoje em dia, os centros urbanos também enfrentam a especulação imobiliária, o desmatamento e a depredação do patrimônio ambiental e cultural. Embora todos eles atinjam as cidades, esses problemas são bem diversos e, por isso, exigem uma abordagem interdisciplinar. É através desse campo de conhecimento, o urbanismo, que podem ser encontradas soluções sustentáveis e inovadoras.

O desafio dos urbanistas é encontrar novos caminhos, pois as cidades não estão – nem nunca estiveram – preparadas para receber e acomodar tantas pessoas. Segundo uma pesquisa do WorldWatch Institute, as cidades ocupam cerca de 2% da superfície terrestre, mas são responsáveis por 76% do consumo de madeira industrializada e 60% da água doce do planeta. Esse mesmo relatório, conclui que são necessárias mudanças em seis áreas – água, lixo, comida, energia, transporte e uso do solo – para que as cidades se tornem melhores para seus habitantes, e para a preservação dos ecossistemas do planeta.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Imigrantes vivem pesadelo na fronteira com os Estados Unidos
No dia 24 de agosto, os corpos de 72 imigrantes ilegais (58 homens e 14 mulheres) foram encontrados pela Marinha mexicana numa fazenda situada próximo à cidade de San Fernando, no Estado de Tamaupilas, ao norte do México.
Entre os mortos estavam dois brasileiros. Os demais eram cidadãos de Honduras, El Salvador, Guatemala e Equador.
Milhares de imigrantes tentam atravessar todos os anos os 3,2 mil km de fronteira que separam o México dos Estados Unidos. Estimativas indicam que a comunidade brasileira em território americano é de cerca de 1,2 milhão de pessoas, sendo que 20% deste total são clandestinos.
Nos últimos anos, porém, o domínio de traficantes tem tornado a travessia ainda mais perigosa. Eles sequestram e obrigam os clandestinos a transportarem drogas ou cometerem outros crimes.
Em 2009, pelo menos 10 mil foram vítimas de sequestro, segundo a Comissão de Direitos Humanos. Dados oficiais do governo mexicano apontam 28 mil mortes desde 2006, quando o presidente Felipe Calderón iniciou uma ofensiva contra o tráfico. O massacre foi atribuído ao Los Zetas, considerado o mais violento grupo paramilitar no México.

Xenofobia na Europa
O primeiro ministro italiano, Silvio Berlusconi, mostrou seu apoio ao presidente francês, Nicolas Sarkozy, em sua política de deportações de romenos e búlgaros de origem cigana. Durante uma reunião com senadores, Sarkozy manifestou que “não haveria nenhum” problema se os luxemburgueses quisessem acolher os ciganos. O presidente respondia assim às críticas da comissária de Justiça, Viviane Reding, que é de Luxemburgo, e que comparou as deportações com os fatos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial. Um alto funcionários dos Estados Unidos disse que “é preciso convidar a França e outros países a respeitar os direitos dos romenos”.
El País
O primeiro ministro italiano, Silvio Berlusconi, mostrou seu apoio ao presidente francês, Nicolas Sarkozy, em sua política de deportações de romenos e búlgaros de origem cigana. “A senhora Reding”, disse Berlusconi fazendo alusão à Comissária de Justiça da União Européia, faria melhor tratando desse assunto privadamente com os dirigentes franceses, ao invés de publicamente, como tem feito”. Em uma entrevista exclusiva concedida ao jornal francês Le Figaro, Berlusconi manifestou que “a convergência ítalo-francesa ajudará a agitar a Europa e a resolver os problemas com políticas comuns”.
As palavras de Berlusconi atiçam uma controvérsia que segue quente apesar de o governo francês ter pedido a Bruxelas calma e diálogo frente a uma possível sanção pela expulsão ilegal de romenos de origem cigana. Durante uma reunião com senadores, Sarkozy manifestou que “não haveria nenhum” problema se os luxemburgueses quisessem acolher os ciganos. O presidente respondia assim às críticas da comissária de Justiça, Viviane Reding, que é de Luxemburgo, que comparou as deportações com os fatos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial e depois foi obrigada a se retratar dizendo ter sido mal interpretada. Um alto funcionários dos Estados Unidos disse que “é preciso convidar a França e outros países a respeitar os direitos dos romenos”. A chanceler alemã Ângela Merkel criticou o tom e as declarações de Reding, qualificando-as como “não apropriadas”.
O porta-voz em Bruxelas da Liga Norte, partido xenófobo aliado do governo italiano, foi mais longe que Berlusconi. “Quantos romenos Luxemburgo vai acolher?” – perguntou Mario Borghezio. “Convido a senhora Reding a confirmar ou desmentir se em seu país há campos nômades graças ao endurecimento das normas de expulsão de 2008”, declarou o porta-voz.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Acesso a bens de consumo no Brasil

O Brasil desde a implantação do Plano Real vem consolidando um processo de redução da relação divida/PIB, de aumento do emprego formal (era Lula sobretudo), de aumento do PIB per Capita e do constante acesso aos bens de consumo de massa.
As famílias brasileiras com acesso a bens duráveis cresceu de 2008 a 2009 conforme atesta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, divulgada nesta quarta-feira, 8, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Num universo estimado em 58,5 milhões de domicílios, a fatia de residências que possuem carro aumentou de 36,4% para 37,4% de 2008 para 2009, totalizando 21,9 milhões de domicílios com carro. Já a fatia de residências com motocicletas cresceu de forma mais intensa, de 14,7% para 16,2% no período, para 9,4 milhões de unidades domiciliares.
No caso de geladeiras, o porcentual de domicílios com este produto subiu de 92,1% para 93,4% de 2008 para 2009, totalizando 54,7 milhões de residências. As máquinas de lavar roupa em 2009 também mostraram avanço de penetração nos lares brasileiros, e a fatia de domicílios com este produto saltou de 41,5% para 44,3% no mesmo período, somando 25,9 milhões. A pesquisa também mostrou aumento na participação de moradias com televisão, de 95,1% para 95,7% no período, para 56 milhões de residências.
Desde 2008, o IBGE também investiga o avanço dos DVDs nas residências brasileiras. A Pnad mostrou que, de 2008 para 2009, o porcentual de lares com este aparelho subiu de 69,4% para 72%, totalizando 42,1 milhões de moradias.
Isto demonstra uma política de aumento real do salário mínimo, programas de transferência de renda como bolsa família, programa de erradicação do trabalho infantil, aumento do emprego/renda formal e informal e ainda a previsibilidade econômica que a estabilidade trouxe ao longo destes anos, permitindo o acesso ao crédito e o crescimento do consumo.
Contribuição importante ainda nesta linha de raciocínio foi o microcrédito e o crédito consignado que amplia o a possibilidade de acesso aos bens duráveis e a juros mais baixos.
A análise destes dados permite então concluir que a margem do que os dois principais candidatos a presidência afirmam, foi exatamente a continuidade de políticas macroeconômicas consistentes, criadas em um governo e mantidas e ampliadas e outro é que garantiram a melhoria das condições gerais de vida do povo brasileiro.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Gabarito

Alunos do Motivação me perdoem pela demora na divulgação do gabarito.


GABARITO
1 B
2 A
3 B
4 D
5 B
6 C
7 A
8 E
9 B
10 C
11 C
12 C
13 B
14 A

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Será que o Brasil entra nos trilhos?

Desde os tempos do Império, país tenta investir no transporte por trem

CEZAR MARTINS


Comboio da Vale com vagões especiais para minério
de ferro / Foto: Divulgação

Ciente das vantagens que o transporte de cargas e passageiros por ferrovia trouxe a países europeus e aos Estados Unidos, o governo brasileiro editou uma lei que autorizava investidores a explorar a construção e operação de estradas de ferro para interligar as regiões da Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A perspectiva de baixos lucros e altos custos, porém, despertou pouquíssimo interesse e nada foi feito por quase 30 anos.

Contada assim, a história parece referir-se ao passado recente do Brasil, que hoje tem aproximadamente 29 mil quilômetros de estradas férreas em utilização e precisa chegar a 52 mil até 2020 para desobstruir parte dos gargalos que comprometem a competitividade da indústria nacional. Entretanto, ela aconteceu em 1835, no tempo do Império, quando as mercadorias eram transportadas no lombo de mulas, e foi a primeira tentativa frustrada de promover a integração do território nacional a partir do modal ferroviário. Nesta década, 75 anos depois, o setor deve receber uma injeção de R$ 100 bilhões, montante capaz de fazer empresários e analistas acreditarem que, desta vez, a produção nacional finalmente vai andar nos trilhos. O valor é quatro vezes maior do que o aplicado nos últimos dez anos e contabiliza recursos previstos para ser liberados pelos governos federal e estaduais para ampliação da malha férrea urbana e interestadual, de carga e de passageiros, mais aportes que deverão ser feitos pelas concessionárias vencedoras de licitações. Outra parte virá, ainda, de linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Existe a expectativa também de que, pela primeira vez, o transporte de pessoas receba a maior parte dessa vultosa quantia – aproximadamente R$ 75 bilhões –, o que seria considerado um dos principais avanços na política para o setor. Só a ampliação do sistema metroviário de São Paulo, incluindo a construção de novas linhas e melhoramento da rede de trens metropolitanos, deve consumir algo próximo a R$ 6 bilhões até 2014.

Além da capital paulista, o Rio de Janeiro promete investir quase R$ 10 bilhões para melhorar seu sistema de trens e metrô até 2016, um dos compromissos assumidos pelo país para sediar os Jogos Olímpicos. Brasília, Recife, Salvador, Fortaleza, João Pessoa, Natal, Alagoas e Porto Alegre também têm projetos para aumentar a oferta de transporte ferroviário. “Existe um problema grave de mobilidade em quase todas as cidades, que expõe os passageiros aos mesmos gargalos do transporte de cargas. Praticamente todos os sistemas ferroviários municipais e intermunicipais do Brasil têm planos de expansão”, comenta Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer).

Velocidade máxima

Dentro desse plano de investimentos, um dos projetos mais caros e polêmicos, capitaneado pelo governo federal, diz respeito a uma linha de alta velocidade entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, que passa por regiões de alta densidade demográfica como o vale do Paraíba e pode custar R$ 33 bilhões. A ideia acendeu uma discussão inflamada entre especialistas. Os opositores contestam os estudos preliminares, afirmando que a demanda prevista de 32 milhões de passageiros por ano foi superestimada e que os gastos com a obra, grande parte financiados com verbas públicas, serão bem maiores do que os divulgados inicialmente. Além disso, eles alegam que o trajeto não está bem planejado.

Os defensores, por sua vez, dizem que a distância entre as duas principais cidades do país, 430 quilômetros, é ideal para a instalação de trens que podem atingir até 300 quilômetros por hora, amplamente difundidos na Europa e no Japão e cuja tecnologia precisa ser incorporada o mais rapidamente possível pela indústria nacional. Eles afirmam também que a demanda de passageiros crescerá com o tempo e o investimento inicial será recuperado, pois a expectativa de uma receita anual de R$ 2 bilhões seria conservadora.

A polêmica foi tão grande que o governo federal teve de adiar, de 16 de dezembro de 2010 para 29 de abril de 2011, o leilão para ceder à iniciativa privada a construção e operação do trem-bala brasileiro. De acordo com o diretor geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, a decisão foi tomada para atender ao pedido de grupos de investidores, que necessitavam de mais tempo para finalizar estudos de viabilidade. Até a primeira data marcada, apenas um consórcio, coreano, havia manifestado o desejo de participar da licitação. Com o adiamento, acredita Figueiredo, serão mais quatro. “O governo busca a melhor proposta e não poderíamos ficar alheios ao interesse de alguns grupos”, afirma o diretor, sem citar quais são as outras empresas dispostas a entrar na concorrência. Para complicar, a ANTT terá de encontrar uma maneira de driblar a recomendação do Ministério Público Federal do Distrito Federal de que suspenda o leilão porque as avaliações de impacto social e ambiental da obra não estariam satisfatórias.

A União, no entanto, confia tanto no sucesso do empreendimento que está disposta a usar dinheiro público para garantir o início das obras. Em medida provisória editada nos últimos meses de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o BNDES foi autorizado a emprestar R$ 20 bilhões aos vencedores da licitação, com juros subsidiados, prazo de pagamento de 30 anos e seis meses de carência após o início da operação, previsto para 2016. O texto inclui ainda a diminuição dos juros caso a receita inicial gerada seja menor que a esperada e o ressarcimento do banco pelo Tesouro Nacional se o consórcio não pagar o empréstimo. O governo pretende que um dos maiores clientes do futuro trem seja a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que tem 80% do tráfego de seus serviços concentrado entre Rio de Janeiro e São Paulo e, por isso, poderia ter um vagão exclusivo para o transporte das mercadorias despachadas diariamente.

Ascensão e queda

O Brasil já teve uma quantidade razoável de passageiros e cargas transportada por trens, mas a falta de planejamento de longo prazo e as crises econômicas fizeram o movimento decrescer ao longo dos anos e impediram uma integração eficiente entre regiões do interior e os portos. No final da década de 1950, quando as fronteiras agrícolas eram menores e a produção industrial era um embrião em comparação à atual, o país contava com cerca de 40 mil quilômetros de trilhos, quase 11 mil a mais que atualmente. A primeira ferrovia brasileira foi inaugurada em 1854, construída por Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá, para ligar o Porto de Estrela, na baía da Guanabara, até Raiz da Serra, próximo à cidade de Petrópolis (RJ), onde a família imperial costumava veranear. O transporte de passageiros, na época, era feito por uma locomotiva a vapor chamada de Baronesa, que funcionou por mais de 30 anos.

Exemplo do planejamento falho é o fato de as ferrovias terem crescido para atender, na maioria das vezes, ciclos econômicos curtos e específicos, como o da borracha, no início do século 20. Concluída em 1912, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi construída como forma de compensar a Bolívia pela cessão do território do atual estado do Acre e sua função era levar o látex extraído das seringueiras amazônicas na região norte daquele país até a parte navegável do rio Madeira, pelo qual alcançaria o Amazonas e por fim os terminais portuários. O trecho ferroviário de 366 quilômetros de extensão, entre as cidades rondonianas de Guajará-Mirim e Porto Velho, parecia ser a melhor solução para vencer as cachoeiras e corredeiras intransponíveis no rio Madeira, mas a construção da via, iniciada em 1907, mostrou-se uma tarefa difícil por conta do terreno e do ambiente hostil.

Estima-se que 6 mil operários, entre brasileiros, bolivianos, colombianos, ingleses, italianos, americanos e de outras nacionalidades, morreram durante a obra, vítimas de doenças como malária e febre amarela, de picadas de cobras e ataques de tribos indígenas, fato que valeu à estrada o apelido de Ferrovia do Diabo. Menos de 20 anos após o término da obra, os seringais da Malásia já conseguiam produzir látex com custo muito mais baixo e o comércio com a América do Sul entrou em declínio. Sem outra função a não ser o transporte desse produto, a ferrovia foi abandonada pela Madeira-Mamoré Railway Company e voltou à administração do governo brasileiro, que a manteve em funcionamento por mais 40 anos, mesmo com prejuízos e críticas aos serviços prestados. Sua incrível história, no entanto, fez com que passasse a integrar o Patrimônio Histórico Nacional e já serviu de inspiração a um livro e uma minissérie. Um pequeno trecho próximo à capital de Rondônia está sendo restaurado para a realização de passeios turísticos.

Nas regiões sul e sudeste, o desenvolvimento ferroviário seguiu a mesma lógica, o que proporcionou o surgimento de diversas pequenas estradas de ferro destinadas a escoar a produção agrícola, principalmente café, até os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), no Paraná. Até 1930, o estado de São Paulo contava com 18 ferrovias, metade delas com menos de 100 quilômetros de extensão, destinadas a fazer a ligação com os grandes ramais que levavam até o litoral. Com o fim desse ciclo, os trilhos e equipamentos foram abandonados e boa parte deles permanece sem uso. O desinteresse pelas ferrovias atingiu o auge há 60 anos, quando o governo brasileiro, diante da necessidade urgente de interligar o país para conseguir exportar alimentos e estimular o desenvolvimento da incipiente indústria, passou a investir em rodovias, cuja construção é mais rápida e barata. “O modelo rodoviário mostrou-se adequado para as necessidades daquele momento e funcionou, com erros e acertos. Mas agora é preciso expandir a oferta de transporte para podermos ter competitividade”, avalia Abate, da Abifer.

Nessa mesma época, em 1957, quase todas as estradas de ferro passaram a ser administradas pela Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), estatal criada naquele ano. Ficaram excluídos apenas 5 mil quilômetros aproximadamente das linhas de São Paulo, mas em 1971 eles foram englobados na Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), instituída pelo governo estadual. Nos anos seguintes, as crises econômicas e a falta de investimentos levaram as duas empresas à falência. Com dívidas exorbitantes, a RFFSA foi incluída no Programa Nacional de Desestatização, lançado em 1990, e seus ativos foram leiloados em 1996. A Fepasa também foi vendida, depois de ser incorporada em 1998 à estatal federal, finalmente extinta um ano depois. A operação das ferrovias ficou, então, a cargo de empresas privadas que adquiriram a concessão dos serviços de transporte e se comprometeram a investir na recuperação das linhas.

De lá para cá, avanços importantes ocorreram na modernização das ferrovias e no volume transportado. Segundo dados da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), cujas empresas afiliadas detêm a concessão de 28,3 mil quilômetros de vias férreas, desde a privatização foram investidos R$ 23 bilhões no setor e o total de cargas saltou de 256 milhões de toneladas, em 1999, para 460 milhões em 2010. A malha, porém, não foi ampliada, assim como o tipo de mercadorias transportadas. Aproximadamente 80% delas são minério de ferro e carvão mineral, insumos produzidos por grandes conglomerados como Vale, Usiminas e CSN, que controlam as operadoras logísticas. “O primeiro ponto a destacar, na questão do transporte ferroviário, é que, em 14 anos, a iniciativa privada recuperou o que existia e alavancou o investimento. Agora, é preciso aumentar a malha e ajustar o marco regulatório, para que os investidores possam injetar dinheiro, corrigir deficiências e agregar novos produtos ao transporte. Há grandes expectativas para esta década, quando finalmente parece que teremos um planejamento estratégico para a área de transportes”, afirma Rodrigo Vilaça, diretor executivo da ANTF.

Crescimento planejado

Uma das razões para otimismo é o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), desenvolvido pelo Ministério dos Transportes e elogiado por reunir estratégias de melhoria e crescimento integrado para todos os modais – aéreo, rodoviário, marítimo e ferroviário. De acordo com suas diretrizes, até 2025 as ferrovias deverão ter participação de 35% na matriz nacional de transportes – 10% a mais do que representam atualmente e 5% acima do que é estimado para as rodovias no mesmo ano. O PNLT também serve como base para a aplicação dos investimentos públicos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, que entra em sua segunda fase no mandato da presidente Dilma Rousseff. Para que esses números sejam alcançados de verdade, no entanto, apenas os R$ 43 bilhões prometidos pelo poder público até 2014 para a expansão ferroviária não serão suficientes. De acordo com os especialistas, é preciso resolver outras questões delicadas que não estão ligadas apenas à verba disponível.

As regras para concessão à administração privada das ferrovias que já estão prontas e das que serão construídas são um dos pontos mais importantes nessa discussão. O novo marco regulatório deveria ter sido aprovado no ano passado, mas ainda depende da sanção da presidência da República por conta de tópicos polêmicos e questionamentos das empresas que já operam o sistema. O maior problema está no destino que será dado a boa parte da malha licitada, mas que está subutilizada – segundo a ANTT, menos de metade dos trilhos existentes no país tem a passagem de ao menos um trem por dia.

A proposta do governo é que os trechos com baixa movimentação de carga retornem para a União, sob a administração da estatal Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias, e possam ser utilizados por outras empresas que possuam composições próprias mediante o pagamento de taxas menores que as cobradas atualmente pelas companhias que detêm as concessões. Na visão governamental, o acordo existente de concessão não teve sucesso para incentivar o crescimento da malha ferroviária e, por isso, precisa ser alterado.

De acordo com as empresas, a retomada de trechos de ferrovias sem algum tipo de compensação desrespeita os contratos firmados na metade da década de 1990. “Ferrovias não são um negócio para amadores, são projetos que alcançam resultados em médio e longo prazo. Os benefícios serão vistos daqui a seis ou oito anos. Além disso, é preciso que os aeroportos, portos e rodovias estejam mais bem equipados e, de alguma maneira, interligados às ferrovias”, afirma Vilaça.

Outra necessidade urgente que deve ser objeto de projetos ferroviários é o atendimento de importantes setores da economia, ligando polos industriais e áreas agrícolas de grande produção aos centros consumidores das regiões sul e sudeste. Levantamento realizado entre profissionais de diferentes segmentos produtivos pelo Instituto de Logística e Supply Chain, que conta com professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, verificou que a baixa disponibilidade de rotas ferroviárias no Brasil praticamente inviabiliza a distribuição de produtos por esse tipo de transporte.

Estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com empresários de 20 setores diferentes vai na mesma direção e mostra que 65% dos entrevistados passariam a utilizar os trens se houvesse essa opção. Como base de comparação, a Alemanha, país cuja área territorial é 95% menor que a brasileira, possui quase 20 mil quilômetros a mais de trilhos. “Se o Brasil construir as ferrovias, a demanda aparecerá. Para longas distâncias, transporte sobre trilhos é mais versátil, tem menor custo e se torna mais viável para cargas de alto volume e baixo valor agregado”, afirma o coordenador do Ipea, Carlos Campos Neto.

Uma última preocupação diz respeito à segurança e à velocidade do transporte praticado sobre trilhos. Estima-se que, no Brasil, cerca de 200 mil famílias morem dentro da faixa de segurança que deveria existir à margem das ferrovias, que varia de 7 a 12 metros, dependendo das condições do terreno. Essas invasões, na maioria das vezes ignoradas pelos administradores públicos, além de colocar em risco a população, obrigam as locomotivas a diminuir bastante a velocidade, quando não a parar totalmente, aumentando o tempo de viagem. As excessivas passagens de nível – cruzamentos das ferrovias com rodovias – são outro motivo constante de reclamação de quem atua na área.

Carga pesada

O principal projeto para assegurar a expansão necessária é a conclusão da Ferrovia Norte-Sul, responsável por ligar Açailândia (MA) a Panorama (SP), em um trecho de mais de 2 mil quilômetros. Essa via é chamada pelos técnicos do governo de “espinha dorsal do transporte ferroviário brasileiro”, porque facilitará conexões com outras estradas que levam até os portos e atenderá regiões produtoras de grãos do centro-oeste e zonas industriais do nordeste e do sudeste. A ferrovia começou a ser construída em 1987 e já tem uma pequena parte concluída, 215 quilômetros, que são utilizados pela Vale para levar minério até a Estrada de Ferro Carajás, a qual alcança o Porto de Itaqui, no Maranhão. Outros trechos, que representam 70% do restante do trajeto, estão em obras, mas a entrega teve de ser adiada por problemas causados pela troca das empresas contratadas pelo governo para a construção. A expectativa é que toda a Norte-Sul esteja concluída até 2012, a um custo estimado de aproximadamente R$ 7 bilhões.

Para o setor do agronegócio, uma das ferrovias mais importantes é a chamada linha Leste-Oeste, cujo objetivo será conectar o porto baiano de Ilhéus ao interior do Tocantins. Com aproximadamente 1,5 mil quilômetros e previsão de custo de R$ 6 bilhões, essa ferrovia estará ligada ao eixo Norte-Sul e, segundo a Valec, estimulará o desenvolvimento da produção agrícola do oeste da Bahia. É inegável, porém, que também atenderá outros interesses empresariais, pois permitirá um escoamento mais rápido do minério produzido na região de Caetité, no interior do estado.

A Ferrovia Transnordestina, com conclusão prevista para 2012 e custo estimado em R$ 5,4 bilhões, é um projeto encabeçado pela CSN e vai ligar os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco, ao Piauí. Sua implantação ajudará, de acordo com o governo, a aumentar a competitividade da produção agrícola na região.

O Ferroanel de São Paulo, obra que estava prevista na primeira fase do PAC, mas não tem prazo para sair do papel por causa de disputas políticas, é outro projeto considerado essencial para aprimorar o escoamento da produção. O projeto, orçado em R$ 2 bilhões, previa a interligação das principais ferrovias do estado, aproveitando parte do trajeto do rodoanel, via que possibilita aos caminhões alcançar diferentes rodovias sem passar pelo trânsito caótico da capital. O Ferroanel permitiria uma distribuição mais eficiente da carga sem a necessidade de utilizar os trilhos ocupados pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos para o transporte de passageiros.

Apesar dessas vantagens, o destino de boa parte das mercadorias movimentadas pelo Ferroanel acabaria sendo o porto do Rio de Janeiro e não o de Santos, como deseja o governo estadual. Mais do que isso, não ficou claro como as empresas concessionárias que exploram as linhas paulistas seriam remuneradas e o projeto, então, foi paralisado – uma prova de que, mesmo com verbas disponíveis, estudos atualizados e a necessidade clara de expandir o transporte sobre trilhos, o apoio político ainda se move à velocidade de uma maria-fumaça e pode colocar em risco o tão esperado crescimento do setor ferroviário no país.

“O brasileiro está destruindo o país”

Melquíades Pinto Paiva defende potencial nordestino e receita educação como remédio contra a corrupção FRANCISCO LUIZ NOEL Cearense de Lavras da Mangabeira, cidade de 31 mil habitantes na caatinga que um dia foi povoada pelos índios cariris, no sul do estado, próximo à divisa com a Paraíba, o engenheiro agrônomo, biólogo e professor Melquíades Pinto Paiva encerrou 2010 cercado de reverências em sua terra. Doutor em ciências e especialista em peixes, ele recebeu, em dezembro, pelo conjunto da obra, o título de professor emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Seu currículo inclui mais de 300 trabalhos científicos publicados no país e no exterior, participação em missões internacionais e, em 1960, a criação da estação de biologia precursora do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), referência nacional em estudos da pesca e ecossistemas marinhos. Semanas antes, Melquíades havia lançado uma alentada radiografia da realidade física e humana da região, Nordeste do Brasil – Terra, Mar e Gente (Bei Editora, 408 páginas). Às vésperas dos 80 anos, o professor não se resignou à aposentadoria acadêmica e pôs no papel reflexões e conhecimentos acumulados em seis décadas de atividades em seu estado e no Rio de Janeiro, onde se radicou nos anos 1970. À visão que associa o nordeste ao atraso, ele contrapõe o potencial de riquezas e o trabalho do povo nordestino. Para os problemas ambientais, reivindica energia dos governos. Para os sociais, receita a educação, atribuindo a ela poderes de antídoto também contra a corrupção, que, faz questão de ressaltar, não é exclusividade regional. No prefácio de Nordeste do Brasil – Terra, Mar e Gente, o geógrafo e professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) Aziz Ab’Sáber se junta às manifestações de reconhecimento ao trabalho do cientista cearense, crítico do projeto de transposição das águas do rio São Francisco: “Parabéns, Melquíades, pelo fato de ter pensado mais diretamente nos pobres, membros de uma geografia humana sofrida, fato que transforma seu livro em um novo paradigma, aparecido muitos anos depois da grande obra Geografia da Fome, do saudoso Josué de Castro”. Esta entrevista foi concedida no Rio de Janeiro, dias antes das homenagens na UFC, em Fortaleza. Problemas Brasileiros – O que o motivou a radiografar o nordeste? Melquíades Pinto Paiva – Este não é um livro nos moldes clássicos sobre a região, pois pouco fala de seca e miséria. Não aceito que só se olhe o nordeste como vítima da seca, lugar de povo atrasado, pobreza e analfabetismo. Eu quis mostrar que, ao contrário, o nordeste é potencialmente rico. Procurei dar uma visão global, integrada da região. Além de falar da ecologia e das condições de vida, abordo a riqueza em recursos naturais, inclusive os do mar, e em inteligência, principalmente dos mais humildes. Muitos nordestinos foram gênios, mesmo sem ler e escrever, como Luiz Gonzaga. O nordeste não é tão atrasado culturalmente quanto se pensa. PB – Quantos nordestes há no nordeste? Melquíades – Tento mostrar que há diversas regiões nordestinas, com recursos e culturas diferentes. O nordeste possui três grandes formações étnicas: a da zona da mata, a do homem da caatinga e a do praieiro. Na primeira, o homem é produto da civilização do açúcar, em que a presença do negro é grande. O homem da caatinga é da civilização do gado, com influência predominante do índio; e o da beira da praia, pescador, é mistura dos outros dois. A pesca no nordeste, por exemplo, é caracteristicamente indígena. Marca disso é a jangada, sem casco, que chega aonde não há porto, levada à praia com a força humana. Outras influências do índio são o curral de pesca e o jererê, arco com rede usado por muito tempo na captura da lagosta. PB – O meio físico ainda é um grande condicionante para muitos nordestinos? Melquíades – A região semiárida, dominante no nordeste, é a mais povoada do gênero no mundo. Há muita gente no sertão, caracterizado por um período de chuva e um de estiagem. Enquanto o homem da zona da mata, sedentário, engordou comendo doce, como tão bem mostra Gilberto Freyre, o do sertão, da caatinga, é um bravo, porque povoou zonas consideradas inapropriadas e se acostumou a enfrentar a luta a cada dia. No tempo da chuva, todo mundo trabalha; no outro, é hora da colheita, do divertimento e do preparo de um novo ciclo, porque não há mais o que fazer. PB – E quando a chuva não vem? Melquíades – O que desequilibra tudo é a falta de chuva na época de vida. A primeira consequência é o fenecimento das lavouras de curto ciclo, como milho, feijão e outras culturas de subsistência. Antigamente, a tragédia era maior, porque os proprietários rurais não sustentavam seus moradores, que migravam, no abandono e na miséria. O Quinze, de Rachel de Queiroz, retrata isso, assim como a vasta literatura sobre a seca de 1877, que durou três anos. PB – O que mudou em relação às secas nas últimas décadas? Melquíades – Uma brutal mudança vem ocorrendo. Com a penetração das comunicações e o aparelhamento do governo, o homem já não migra tanto. Até porque, no sudeste, já não há emprego. A grande migração no nordeste começou em direção à Amazônia, no apogeu da borracha, em inícios do século 20. Depois da 2ª Guerra Mundial, o fluxo foi para o sudeste, com o surgimento das estradas e do trabalho na construção civil. Foi o nordestino quem construiu Brasília. Hoje, o dono da terra bota seus moradores para fora para não pagar salário mínimo nem INSS, como o governo exige. O cinturão de miséria que existia na periferia das grandes cidades está aparecendo na das pequenas, no interior. São os boias-frias, à espera de trabalho ocasional. PB – As migrações não divulgaram o nordeste? Melquíades – Sempre houve muita discriminação. Agora, estão conhecendo o nordestino não porque ele se incluiu na sociedade do sudeste, mas porque o pessoal vai nas férias para as praias do nordeste e começa a penetrar no interior, graças às facilidades das comunicações e ao barateamento do turismo. Há também o turismo religioso, em cidades como Juazeiro do Norte, onde viveu Padre Cícero, no Ceará, e Bom Jesus da Lapa, na Bahia. PB – Quais as grandes riquezas da região? Melquíades – Onde há pedra e falta chuva, tem minério. É regra mundial. No nordeste, temos minerais radiativos, manganês, cobre, berilo, titânio, grafita. Procurei localizar, estado por estado, todas as ocorrências de minerais importantes, tanto as já medidas quando aquelas ainda em pesquisa. A flora regional também é rica, com espécies importantíssimas, de grande potencial econômico para as indústrias de madeira, construção civil, alimentação e medicamentos. Há a oiticica, que produz óleo fino, a carnaúba, que dá cera, a imburana-de-cheiro, de uso na indústria farmacêutica. Exemplo das potencialidades da flora é o umbuzeiro. O umbu dá uma passa e, se a pesquisa agronômica reduzir o tamanho da semente, poderá ser industrializado como a ameixa. PB – E a fauna? Melquíades – No caso da fauna terrestre, o maior interesse é conservacionista. Há aves com grande potencial para o turismo, como o soldadinho-do-araripe, que só existe nos municípios de Crato, Barbalha e Missão Velha. Em Barbalha não existe mais espingarda e a cidade recebe gente da Europa para fotografar e filmar o soldadinho. Há também aves que podem ser domesticadas, como a macuca e o mutum. É só o homem trabalhar. PB – Tendo tudo isso, por que o nordeste parece andar tão devagar? Melquíades – Porque tem uma elite desregionalizada, com grandes fortunas no sudeste. Os ricos do nordeste não aplicam na região. Tiram de onde é mais pobre para colocar onde é mais rico. E o que fizeram com os incentivos fiscais? A nação jogou dinheiro no nordeste, mas o retorno foi para o sudeste, por meio da corrupção. No Ceará, quando passava na rua um carro muito bom, na época da Sudene [Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, criada em 1959], dizíamos: “lá vai um carro 34/18” [alusão a dois artigos de planos diretores da Sudene]. PB – Muitos incentivos foram desviados? Melquíades – Uma vez, o porteiro do meu prédio no Rio contou que seu irmão trabalhava para um ricaço cearense que tinha acabado de comprar cinco apartamentos no Leblon e em Ipanema. Descobri, então, que havia acabado de sair dinheiro de incentivo fiscal para a empresa dele. Outra vez, quando determinado cidadão oriundo da Sudene candidatou-se a senador, houve uma “taxação” de 20% sobre o valor dos incentivos. Quem deu 20% do que recebeu da Sudene comprou impunidade. PB – A Sudene, revitalizada em 2007, não foi tão eficaz quanto sonhava Celso Furtado, seu idealizador? Melquíades – A ideia era brilhante e Furtado não teve culpa. O poder de corrupção das elites brasileiras é que é impressionante. Não há meritocracia, mas, sim, suborno e apadrinhamento. Não é só no nordeste, mas no país todo. No caso dessa região, tudo isso é ruim porque, até certo ponto, incentiva a ideia de separação. O nordeste gera mais renda para o Brasil do que o país põe lá. Tem petróleo, produtos nobres, pesca. PB – Por que o senhor critica o projeto de transposição das águas do rio São Francisco? Melquíades – A ideia é antiga, não tem novidade. Não me refiro, no livro, aos aspectos de engenharia, mas à viabilidade econômica. Quando se transporta água, o custo sobe à medida que a extensão aumenta, porque há perdas por evaporação e infiltração e despesas de construção dos canais e de equipamentos. Para chegar ao Ceará e à Paraíba, a água tem de ser elevada a mais de 200 metros para atravessar as chapadas do Araripe e da Borborema. Quanto vai custar isso? O preço vai ser 10 vezes maior que o que é pago pela água em Petrolina [PE] e em Juazeiro [BA]. Como uma empresa que queira produzir uva no Ceará vai competir com uma de Petrolina? Só se o governo pagar a diferença. PB – A obra vai mesmo ajudar a combater a pobreza? Melquíades – Essa é a primeira das quatro grandes mentiras do projeto. Se água correndo significasse fim da pobreza, as populações do vale do São Francisco não seriam tão pobres, não só no nordeste, mas também em Minas. A segunda mentira é que não vai faltar água para o nordestino. Ora, não é a do São Francisco que vai matar a sede nas grandes cidades. O nordeste tem outras alternativas, mas falta sistema de distribuição, como mostro quando escrevo sobre a grande quantidade de água represada nos açudes. Alguns foram construídos há cem anos, mas não foram feitos canais de irrigação, como no Cedro, em Quixadá [CE]. O nordeste também tem boqueirões que dariam grandes represas. E no Piauí há muitas reservas subterrâneas. O problema da água no nordeste é de aproveitamento. Há soluções caras e outras baratas, como a da cisterna, que coleta água da chuva. PB – E a terceira e a quarta mentira? Melquíades – Terceira: a água vai para todo mundo. Quem vai pagar? O país todo ou o usuário? Como o homem que mora numa tapera, distante centenas de metros ou até quilômetros de outra casa, vai pagar a construção da rede? Quarta mentira: vai favorecer a irrigação. Mas como, se o custo da água vai ser maior do que na beira do São Francisco? Isso só vai favorecer o agronegócio, à custa de incentivo fiscal. Minha conclusão é que o projeto, além de ser inviável economicamente, é eleitoreiro, feito para gerar comissão. É verdade que a entrada em cena do exército, com seus batalhões de engenharia, diminuiu a possibilidade de roubo. A grita no país foi tão grande que as empreiteiras que geram enormes comissões tiveram de se afastar. PB – Como o senhor avalia o potencial econômico do mar no nordeste? Melquíades – Os grandes recursos pesqueiros da região, assim como os do resto do país, estão superexplorados, em sobrepesca, como mostrei em 1997 no livro Recursos Pesqueiros Estuarinos e Marinhos do Brasil. Vi, no Ceará, o começo da pesca da lagosta, que antes era isca na da cavala e do peixe-serra. Na época, o Ceará produzia por ano 8 mil toneladas de cauda de lagosta. Hoje, essa pesca vai do Amapá ao Espírito Santo, mas o Brasil todo não obtém 4 mil toneladas. A ganância levou à destruição ambiental. Os empresários da pesca não aceitam a ideia de que a natureza tem limites. PB – A pesca da lagosta está ameaçada? Melquíades – No nordeste, praticamente, sim. Os barcos têm de ir ao Amapá. Para recuperá-la, é preciso autoridade e muita força. Quando começou a decair, a alternativa econômica foi o pargo. Mas também esgotaram os pesqueiros e tiveram de expandir a pesca em direção ao Amapá. O problema é que, à medida que se afastavam das bases, aumentava o custo. A falta de sistemas de congelamento nos barcos e o excesso de sol durante o manuseio baixaram a qualidade da produção, fazendo as partidas de filé de pargo voltarem dos Estados Unidos. E ainda passaram a filetar outro peixe, o pargo-negro, que não tem valor no mercado internacional. Houve um colapso que quase acabou com a atividade, porque os americanos não quiseram mais comprar. Só agora a pesca do pargo está se recuperando. PB – O que fazer para organizar de modo sustentável a pesca no nordeste? Melquíades – Em primeiro lugar, é essencial administrá-la com respeito à natureza. É preciso proibir realmente a captura de lagosta com rede e equipamento de mergulho, assim como a de lagosta pequena. Mas, para fazer tudo isso, o governo tem de mostrar força. Será que os industriais deixam? A natureza precisa se recuperar. Uma lagosta leva de três a quatro anos para chegar ao tamanho comercial. A segunda coisa a fazer é aproveitar os recursos de forma inteligente. Eliminar métodos de pesca danosos depende de investimento em tecnologia. Em terceiro lugar, é necessário agregar valor. Em vez de exportar camarão bruto, por que não já em conserva? PB – Tecnologia então é fundamental? Melquíades – Sim. Na minha instituição, desenvolvemos algumas ideias, como o caviar com ova de peixe-voador, produzido com a vantagem de não matar o peixe. O voador desova na superfície e a ova fica boiando. É recolher e fazer o produto. Propusemos também a cavala desidratada, jogada no leite de coco e depois cortada em postas. Mas os empresários não querem progresso tecnológico, porque ganham com o atraso e ainda têm ajuda do governo. PB – O problema é antigo, não? Melquíades – Saí do Ceará escorraçado, nos anos 1970, porque coloquei a nu a safadeza dos projetos de pesca. Naquele tempo, o Brasil vivia faminto de dólares. O sujeito exportava lagosta por preço menor que o de produção e ainda ganhava dinheiro, porque tinha incentivo fiscal. Era botar a partida de lagosta no navio e ir receber no Banco do Brasil, que ficava com os dólares e pagava em dinheiro brasileiro. Como o valor no mercado internacional era menor que os custos, o governo cobria a diferença. Quando estancou a mina dos recursos fiscais, várias empresas foram à falência. PB – Como o senhor vê o programa governamental Bolsa Família, que atende a milhões de nordestinos pobres? Melquíades – Não abordo esse tema no livro, mas considero que, de imediato, é uma coisa boa. Sou, porém, a favor e também contra, porque ele tende a cristalizar a pobreza, a acostumar o pobre a ser pobre. Isso tira a capacidade de criar, diminui a engenhosidade. Luiz Gonzaga já dizia que esmola não bota ninguém para a frente. É preciso que o programa tenha algum tipo de progressão. As pessoas não estão querendo que assinem sua carteira de trabalho por causa do Bolsa Família. O nordeste, como todo o Brasil, só tem uma solução: educação. PB – Quais as perspectivas de futuro para a região? Melquíades – Não são boas, como as do Brasil também não são. O problema não é o nordeste, mas a pobreza, que só se acaba com educação, para que as pessoas tenham acesso ao trabalho qualificado. Enquanto não se educar o povo, não se controla a roubalheira, o maior problema do Brasil. Outro problema: o brasileiro está destruindo o país. O que se faz no pantanal é um crime contra a humanidade. Estão acabando com o cerrado, a Amazônia, como se fez com a zona da mata e a caatinga, no nordeste. PB – Por que o senhor não demonstra otimismo? Melquíades – Sou conservacionista há mais de 50 anos e um desiludido, habituado a perder. O conservacionista no Brasil se acostumou a levar surra. Luta, luta, luta, vem um deputado e apresenta um projeto na Câmara para aumentar o desmatamento da Amazônia. Mas continuo acreditando que a ciência se faz em benefício do país. Defendi o Brasil com minha ciência e não com arma na mão. Minha arma é o cérebro, a defesa do conhecimento.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Era Lula (2003-2010) - Governo foi marcado por melhorias sociais e escândalos políticos

Ao deixar o cargo de presidente no próximo dia 1º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva terá legado, em oito anos de governo, avanços nos setores de economia e inclusão social. Índices históricos de crescimento econômico e redução da pobreza garantiram ao ex-metalúrgico 83% de aprovação popular – o maior patamar entre presidentes desde o fim da ditadura – e a eleição de sua sucessora, Dilma Rousseff, uma estreante nas urnas.

Mas o balanço da “era Lula” tem suas tragédias. Escândalos de corrupção abalaram o primeiro mandato (2003-2006), mancharam a imagem do Partido dos Trabalhadores (PT) e contribuíram para que o Congresso seja hoje a instituição de menor credibilidade entre os brasileiros.

Na economia, o maior mérito do governo petista foi a manutenção da política dos governos anteriores. Crítico do Plano Real, Lula, ao chegar ao Planalto, deu continuidade ao programa que controlou a inflação. A medida assegurou a estabilidade econômica e possibilitou que outras questões importantes, como saúde, educação e segurança pública, fossem discutidas.

O PIB (Produto Interno Bruto), que representa a soma de todas as riquezas de um país, teve um crescimento médio anual de 4,0% nos dois mandatos. O índice é quase o dobro do registrado no período de 1981 a 2002 (2,1%). Assim, o Brasil passou de 12º lugar para 8º no ranking das maiores economias do mundo.

Neste contexto, a redistribuição de renda foi o principal destaque. Programas sociais como o Bolsa Família, a expansão do crédito e o aumento de empregos formais e do salário mínimo (que passou de R$ 200 em 2002 para R$ 510, em 2010) permitiram a ascensão de classes mais pobres.

O efeito também foi sentido no setor empresarial: a maior renda do trabalhador converteu-se em compras. A alta no consumo, por sua vez, estimulou investimentos no comércio e na indústria, inclusive em contratações, realimentando o ciclo. O resultado foi a redução em 43% do número de pobres (brasileiros com renda per capital mensal inferior a R$ 140), que caiu de 50 milhões para 29,9 milhões desde 2003.


Política externa
No cenário internacional, o governo petista surpreendeu – para o bem e para o mal. Quando foi chamado de “o cara” pelo presidente norte-americano Barack Obama, Lula já desfrutava do prestígio de ser uma liderança internacional. Durante seu governo, o Brasil reforçou laços políticos e comerciais, sobretudo na América do Sul, África e Ásia.

Na diplomacia, a posição do governo em relação a regimes ditatoriais como Cuba e Irã abalou a imagem do país no exterior. O próprio Lula contribuiu para isso. Primeiro, ele comparou os protestos no Irã com queixas de um time derrotado. Depois, em visita a Cuba quando da morte de um preso político em greve de fome, comparou os dissidentes a presos comuns. Foram também vergonhosas as posturas do Brasil em fóruns internacionais com respeito a área de direitos humanos, como no caso da iraniana condenada a pena de morte, e no apoio ao projeto nuclear do Irã.


“Mensalão”
O pior aspecto do governo Lula, contudo, foram os sucessivos escândalos políticos. Na oposição, o PT se mostrava como uma alternativa ao fisiologismo político, o corporativismo e a corrupção que reinava entre os partidos. Uma vez no poder, aderiu às mesmas práticas. O “mensalão”, em 2005, foi o divisor de águas na era Lula. O esquema envolvia o pagamento de propinas a parlamentares em troca de apoio ao governo em votações no Congresso. Na época, o presidente contava com apenas 31% de aprovação.

As denúncias derrubaram o principal ministro de Lula, José Dirceu (Casa Civil), e toda a cúpula do PT. No segundo mandato, Lula refez sua base política e “construiu” a candidata Dilma Rousseff para sucedê-lo no cargo. Atualmente, 38 envolvidos no caso respondem a processos por diversos crimes.

Na seqüência, houve a Operação Sanguessuga da Polícia Federal, que expôs políticos que desviavam verbas públicas destinadas à compra de ambulâncias. Ás vésperas das eleições de 2006, outra “bomba”: um grupo de petistas, chamados pelo próprio presidente de “aloprados”, foi flagrado tentando comprar um falso dossiê contra o candidato tucano José Serra.

No segundo mandato ocorreram novos escândalos, como o caso dos cartões corporativos – funcionários do Planalto que faziam uso irregular de cartões de crédito oficiais – e um suposto esquema de tráfico de influência envolvendo a família da ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra.


Saldo
Em oito anos no governo, Lula se consolidou como um fenômeno político graças ao seu apelo junto às camadas mais pobres da população. Porém, sua sucessora na Presidência vai herdar problemas que, se não forem resolvidos, podem comprometer o progresso do país.

Na Educação, 14 milhões de brasileiros com idade acima de 15 anos são analfabetos. Na Saúde, faltam leitos hospitalares, médicos e o país enfrenta uma epidemia de dengue que contaminou, somente este ano, quase 1 milhão de pessoas. Em pleno século 21, 56% dos domicílios não possuem rede de esgoto, e a infraestrutura deficitária (estradas, ferrovias, portos e aeroportos) ainda é um entrave para o desenvolvimento.

Lula também deixou de fazer reformas importantes, como a da previdência, a agrária e a tributária. O legado contabiliza ainda um Estado mais caro em razão de contratações feitas para atender interesses políticos e partidários. Em resumo, Lula continuou o projeto de um país socialmente mais justo e de moeda estável. Mas, ao mesmo tempo, manteve o que há de pior na política brasileira.

Crise no Egito - Protestos derrubam ditador

Depois de 18 dias de manifestações populares, o presidente egípcio Hosni Mubarak renunciou ao cargo no dia 11 de fevereiro de 2011, encerrando três décadas de ditadura. O feito, considerado histórico, foi comemorado em todo o mundo.

O Egito é o mais populoso e influente país árabe. Nunca antes um governante havia sido deposto por força de um movimento popular. A primeira vez que isso aconteceu no mundo árabe foi na Tunísia, em 14 de janeiro. Na ocasião, o presidente Zine El Abidine Ben Ali também cedeu aos protestos e renunciou, após 23 anos no poder.

Rapidamente, a onda de protestos pró-democracia se espalhou por outros países do Norte da África e do Oriente Médio. Os especialistas, entretanto, eram céticos quando à possibilidade de queda do ditador egípcio. Isso porque o Egito possui o maior aparato policial da região, financiado pelos Estados Unidos.

Porém, os manifestantes desafiaram o toque de recolher imposto pelas autoridades e transformaram a praça Tahrir (libertação, em árabe), localizada no centro do Cairo, num monumento de resistência ao regime. No local, eles confrontaram a polícia e simpatizantes de Mubarak. Mais de 300 pessoas morreram em duas semanas de distúrbios.

O presidente tentou de todas as formas evitar a renúncia. Ele prometeu que não iria concorrer às próximas eleições, marcadas para setembro, trocou o ministério e indicou um vice. Menos de 24 horas antes da renúncia, anunciou na TV que delegaria alguns poderes ao vice-presidente, Omar Suleiman, e faria reformas constitucionais.

Nada disso adiantou. O último discurso do presidente somente serviu para revoltar mais a população, que exigia sua saída. Nos bastidores, os Estados Unidos faziam pressão diplomática para que fosse feita a transição de poder. Sem apoio das Forças Armadas, que sustentou sua ditadura por três décadas, só restou a renúncia, que foi festejada nas ruas do país.

No lugar de Mubarak assumiu o Conselho Militar do Egito. Os militares dissolveram o Parlamento e o gabinete ministerial, ambos ligados ao ex-presidente. Em seguida, prometeram revogar a Lei de Emergência – que há 30 anos restringe as liberdades civis – e fazer um referendo para mudar a Constituição. A Carta vigente dá plenos poderes ao presidente.

As Forças Armadas devem permanecer por seis meses no controle, até a formação de um novo governo.


Ditadura
Hosni Mubarak chegou à Presidência em 14 de outubro de 1981, oito dias depois do assassinato do presidente Anwar Al Sadat por extremistas islâmicos. Na época, os radicais estavam descontentes com o acordo de paz assinado com Israel em 1979.

Nos anos seguintes, com a justificativa de conter o terrorismo, Mubarak adotou medidas cada vez mais restritivas às liberdades políticas e civis. Ele também foi reeleito sucessivas vezes em eleições fraudulentas e com apoio das potências ocidentais.

A situação do Egito não é diferente dos demais Estados árabes. Eles são governados por monarquias absolutistas, ditaduras militares ou teocracias. Por isso, as revoltas atuais são comparadas àquelas que levaram à queda dos regimes comunistas no Leste Europeu, no final dos anos 1980.

Durante décadas, os árabes toleraram a falta de liberdade em troca de estabilidade econômica. A alta do preço dos alimentos e o desemprego mudaram este quadro nos últimos meses. Outro fator que originou o movimento foi o crescimento da população mais jovem e mais instruída, que reivindica abertura democrática. Os jovens usam a internet e as redes sociais para praticarem ativismo político, o que levou os Estados árabes a aumentarem a censura à rede.

As lideranças jovens, por outro lado, resistem à alternativa de um Estado mulçumano. Por isso, há chances de que, após a queda dos ditadores, haja uma inédita transição democrática nestes países, como vem ocorrendo na Tunísia.


Futuro
A saída de Mubarak não resolveu os problemas no Egito. Os protestos prejudicaram a já debilitada economia, baseada no petróleo e no turismo. Várias categorias continuam em greve por melhores salários.

Além disso, décadas de ditadura deixaram um vazio político no país, com ausência de lideranças políticas para disputar eleições livres. Um movimento influente entre as camadas mais pobres é a Irmandade Mulçumana, de caráter religioso, que representará risco ao Ocidente (sobretudo a Israel) caso conquiste espaço no novo governo. A irmandade, fundada em 1928, é o grupo fundamentalista islâmico mais antigo.

Outra questão em aberto é o peso que a queda de Mubarak vai provocar nos países vizinhos. Nos últimos dias, manifestações ganharam força no Iêmen, na Argélia, na Líbia e em Bahrein, no Golfo Pérsico.

No Irã, voltaram a ocorrer protestos, mesmo com a proibição do governo. Em 2009, o regime iraniano reprimiu com violência protestos contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

Alguns países anunciaram medidas econômicas, em benefício da população, e de segurança, com o objetivo de prevenir levantes populares. As revoltas árabes podem ainda alterar a geopolítica da região e a diplomacia com os Estados Unidos e países europeus, que antes toleravam ditaduras para conter o avanço dos radicais islâmicos.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Oposição ao governo "encolhe" no Legislativo

Parlamentares eleitos em outubro do ano passado tomaram posse no último dia 1º de fevereiro em Brasília, dando inicio à 54ª legislatura. Entre novos políticos e velhos conhecidos dos brasileiros, o destaque da atual composição do Senado e da Câmara dos Deputados é a redução do bloco de oposição ao governo.
O número de congressistas que pertencem aos partidos que formam a base aliada do governo de Dilma Rousseff (PT) é maior do que nos dois governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011).

Dos 513 deputados federais e 81 senadores que compõem as Casas legislativas, 461 (ou 77,6%) são filiados a partidos da situação. Nas legislaturas de 2003 e de 2007, o número de aliados era, respectivamente, de 285 e 401.

No primeiro dia de trabalho, foram eleitos os presidentes da Câmara e do Senado. Eles irão comandar o Congresso Nacional pelos próximos dois anos.

Para o Senado, José Sarney (PMDB-AP) foi eleito para seu quarto e, segundo ele, último mandato como presidente. Na Câmara, o cargo ficou com o deputado Marco Maia (PT-RS). O PMDB e o PT possuem hoje as maiores bancadas no Poder Legislativo.

Os parlamentares fazem leis e fiscalizam o Poder Executivo. Nenhuma lei entra em vigor no Brasil sem antes ser aprovada pela Câmara e pelo Senado. O salário de um parlamentar é de R$ 26,7 mil, fora os benefícios.

Em tese, o maior número de cadeiras no Congresso Nacional garantiria a aprovação de projetos do governo. Mas, na prática, nem sempre funciona assim. A razão é que os políticos levam mais em conta interesses particulares, como por exemplo, emendas que destinem verbas para seus Estados.


Tiririca
Na Câmara são 513 deputados federais que cumprem mandato de quatro anos (a atual legislatura vai até 31 de janeiro de 2015). Eles são eleitos pelo número de votos proporcional à população de cada Estado.

A taxa de renovação da Câmara em Brasília foi de 44,8% nas últimas eleições, contra 47,6 em 2007. Entre os novos deputados estão o humorista Francisco Everardo Oliveira, o Tiririca (PR-SP), que obteve o maior número de votos no país, o ex-jogador Romário (PSB-RJ) e o delegado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP).

O PT tem a maior bancada, com 88 deputados. Em segundo lugar está o PMDB, com 78, seguido pelo PSDB, com 53. O PT foi o partido que mais cresceu, passando de 83 para 88 deputados, passando a frente do PMDB, que tinha 89 parlamentares na Casa em 2007.

Os partidos que compõem a base aliada do atual governo – PT, PMDB, PP, PDT, PSC e PMN – contam com 257 deputados. O DEM e o PSDB, que formam a oposição, têm 96 cadeiras. Entretanto, somando os demais partidos que deram apoio ao governo Lula (PP, PTB e PV), são 402 aliados contra 111 deputados na oposição.


Senado
O Senado Federal é composto por 81 parlamentares com mandato de oito anos. Cada Estado e o Distrito Federal têm direito a três representantes. Um terço das cadeiras é renovado numa eleição e os outros dois terços, quatro anos depois.

Em 2006 foram escolhidos 27 senadores e, em 2010, 54 - dois para cada Estado e mais Distrito Federal. Eles foram escolhidos pelo sistema majoritário, em que vencem os candidatos que obtiverem maior número de votos (o mesmo sistema válido para presidente e governadores).

O PMDB manteve sua hegemonia na Casa elegendo 20 senadores, mesmo número de quatro anos atrás, enquanto o PT passou de 11 para 15. O PSDB vem em terceiro lugar, com 10 senadores, seguido pelo DEM, com 5. A base governista possui 59 senadores (10 a mais do que em 2007) contra 17 na oposição.


Salário mínimo
Votação de projetos de lei do Executivo, como o novo salário mínimo, e temas mais polêmicos, como a reforma política, estão na pauta de atividades do Congresso para este semestre.

A votação do reajuste do salário mínimo já deve acontecer na próxima semana. O governo quer um aumento de R$ 545 e acredita que tem votos suficientes para aprovar a proposta. Já os sindicalistas querem um mínimo de R$ 580, enquanto há emendas de parlamentares com valores entre R$ 560 até R$ 600.

Mais difícil será a discussão em torno da reforma política. Ela consiste num conjunto de emendas constitucionais e alterações na lei eleitoral que visam melhorar o sistema político no país. A dificuldade está no fato das mudanças dependerem de políticos que se beneficiam com os problemas do sistema vigente.

Um exemplo é a questão do financiamento de campanhas, que hoje é fonte de corrupção na política brasileira. Outros pontos polêmicos envolvem a fidelidade partidária (o político que se elege por um partido não pode trocar no meio do mandato) e a farra dos suplentes, que assumem a vaga do parlamentar indicado para cargos no governo.

O Congresso deve ainda debater projetos que envolvem a criminalização da homofobia e a legalização do aborto. No último dia 8 de fevereiro, o Senado desarquivou a proposta que torna crime a discriminação de homossexuais, com penas previstas de até cinco anos de prisão. Ambos os temas encontram resistência das bancadas religiosas.

O maior desastre natural do país

Chuvas intensas que caíram na região serrana do Rio de Janeiro provocaram o pior deslizamento da história do Brasil. Até o último dia 18 de janeiro, o número de mortos chegava a 710 em quatro cidades. Outras 7.780 pessoas estão desalojadas – morando em casa de vizinhos ou familiares – e 6.050 desabrigadas. Um total de 207 estão desaparecidas.
A tragédia foi causada por um fenômeno raro que combina fortes chuvas com condições geológicas específicas da região. Porém, ela foi agravada pela ocupação irregular do solo e a falta de infraestrutura adequada para enfrentar o problema, que se repete todos os anos no país.

O número de vítimas superou o registrado em Caraguatatuba, em 1967. Na época, tempestades e deslizamento de terra mataram 436 pessoas na cidade do litoral norte de São Paulo. Nesse mesmo ano, uma enchente deixou 785 mortos no Rio.

Na madrugada do último dia 12 de janeiro, uma enxurrada de toneladas de lama, pedras, árvores e detritos desceu a montanha arrastando tudo pelo caminho. Os rios se encheram rapidamente, inundando as cidades.

A destruição foi maior nas cidades Nova Friburgo e Teresópolis, que contabilizam o maior número de mortos. Essas cidades turísticas recebem visitantes na temporada, que aproveitam o clima ameno da serra.

Ruas foram cobertas por um mar de lama, com corpos espalhados, casas destruídas e carros empilhados. A queda de pontes em rodovias deixou cidades isoladas, e os moradores ficaram sem luz, água e telefone.

Em Nova Friburgo, o rio subiu mais de cinco metros de altura e a enchente derrubou casas. Em Teresópolis, o cenário era devastador. Condomínios, chácaras, pousadas e hotéis de luxo foram arrasados pelas avalanches de terra.

A estrutura de atendimento às vítimas entrou em colapso. O IML (Instituto Médico Legal) e os cemitérios ficaram lotados. Parentes das vítimas tiveram que fazer enterros às pressas em covas rasas.

Uma das imagens mais impressionantes foi a de uma mulher sendo salva da inundação. Ela foi içada por uma corda do alto de um prédio, enquanto o cachorro que trazia nos braços era arrastado pela enxurrada.


Causas
O ar quente e úmido vindo da Amazônia gerou nuvens carregadas no Sudeste. Na região serrana do Rio, as montanhas formaram uma espécie de barreira que impediu a passagem de nuvens e concentrou a chuva numa única área.

Somente em Nova Friburgo, onde a chuva foi mais intensa, em 12 dias o volume foi 84% a mais do que o previsto para todo mês de janeiro.

A água da chuva foi responsável por dois fenômenos distintos. Primeiro, a cheias nas nascentes dos rios, no alto das montanhas, que causou as enchentes. O sistema de drenagem dos municípios era obsoleto e não conseguiu escoar as águas.

E, mais grave, os deslizamentos. O solo das encostas é constituído por uma camada fina de terra e vegetação sobe a rocha. Quando fica encharcado, se descola da montanha, descendo feito uma avalanche. A grande inclinação das montanhas fez com que o deslizamento atingisse até 150 quilômetros por hora, aumentando a potência de destruição.

Boa parte das mortes, contudo, poderia ter sido evitada com políticas públicas. Durante décadas, os governos foram omissos – quando não estimularam – os loteamentos em áreas de risco permanente. Na rota da lama que desceu das encostas havia dezenas de imóveis, desde favelas até hotéis e casas de alto padrão.


Aquecimento global
O aquecimento global está por trás das mudanças climáticas que explicam os contrastes de seca e enchentes em várias partes do mundo. No Brasil, os prejuízos financeiros e as mortes se acumulam a cada verão.

No ano passado, 283 pessoas morreram no Estado do Rio entre os meses de janeiro e abril. As catástrofes aconteceram em Angra dos Reis, Niterói (Morro do Bumba), na capital e em outras cidades. Em São Paulo, a chuva destruiu a cidade histórica de São Luiz do Paraitinga. Em 2008, houve 135 mortes em Santa Catarina.

Compete aos governos municipais regulamentar e fiscalizar o uso do solo. O objetivo é impedir a construção de moradias nas encostas e zonas de risco. Já os governos estadual e federal precisam investir em programas preventivos e encontrar soluções menos burocráticas para garantir que os recursos cheguem até as cidades.

Um exemplo foi a liberação imediata de R$ 780 milhões da União para ajudar na reconstrução dos municípios afetados pelas chuvas deste mês. A verba foi liberada por meio de uma medida provisória assinada pela presidente Dilma Rousseff. O valor gasto com a recuperação, todavia, é superior ao que seria gasto com prevenção. Sem falar nas vidas perdidas.